No Brasil, os investimentos em startups e empresas de tecnologia vêm batendo recorde após recorde. Em 2021, por exemplo, o valor aportado já é mais do que o dobro do visto no ano anterior: de janeiro a novembro, foram US$ 8,5 bilhões. Em 2020, US$ 3,6 bilhões. Mas será que se tratam realmente de companhias de tecnologia? Será que não tem alguém apenas aproveitando a onda? É a origem do polêmico termo fake tech.
Por aqui, a discussão é muito recente. Ela ficou mais forte a partir de agosto deste ano, quando o fundador da Squadra Investimentos, Guilherme Aché, levantou uma questão sobre a bolha das fake techs. Para ele, não estamos em um cenário de estouro de bolha, mas existem alguns casos duvidosos.
O assunto fake tech já está no ar há mais tempo nos Estados Unidos, como mostra o gráfico do Google Trends a seguir. Comparando as buscas pelo termo desde 2004, vemos um interesse mais persistente dos americanos nessa discussão (linha vermelha). Enquanto isso, no Brasil (linha azul), o crescimento do interesse ficou mais forte a partir de 2020.
(Busca pelo termo fake tech no Google Trends, na comparação Brasil e EUA)
Nos EUA, o mercado financeiro é bem mais desenvolvido. Tanto é que o país é o berço dos fundos de venture capital, que nasceram na época da Segunda Guerra Mundial. Além disso, o país foi palco de uma crise global no setor de tecnologia: o estouro da bolha pontocom no início dos anos 2000, em que ações de empresas de internet despencaram após uma reavaliação de investidores sobre seus negócios.
Ou seja, os americanos já viveram estouros de bolhas financeiras no passado e isso gera um sentimento de cautela. Atualmente, há uma discussão de que a próxima bolha a romper vai ser a das empresas de tecnologia.
Nesse sentido, o termo fake tech acaba despertando ainda mais interesse, considerando que 56% da população norte-americada investe na bolsa de valores, muitos com foco na aposentadoria. Os dados são do instituto de pesquisas Gallup.
Mas, afinal, o que é fake tech?
O termo fake tech se refere a uma empresa que usa a tecnologia como apelo para atrair o interesse de clientes e investidores. Como o próprio nome sugere, é um negócio que não é tão tecnológico como diz ser.
Considerando o alto volume de investimentos nesse segmento nos últimos anos, algumas companhias conseguiram surfar essa onda sem ter uma base tecnológica tão bem estabelecida. Por isso, vale prestar atenção em alguns pontos relacionados às operações de uma organização. Vamos conhecê-los a seguir.
Como analisar um negócio da área de tecnologia?
Na hora de calcular o valuation, existem métricas específicas para cada setor. Mas, de maneira geral, o importante é analisar como a empresa gera receita e quais indicadores mostram essa evolução.
Um dos mais famosos indicadores da análise fundamentalista é o Ebitda. A sigla, que significa Earnings Before Interest, Taxes, Depreciation and Amortization, mostra basicamente quanto dinheiro uma operação gera antes de pagar todas as suas obrigações.
Quando se trata de empresas de tecnologia, outras métricas entram no radar. Daí, você pode ver siglas como:
- CAC: Client/Customer Acquisition Cost, ou Custo de Aquisição de Cliente. Significa o quanto se gasta em esforços de marketing e vendas para atrair cada cliente;
- LTV: Lifetime Value, ou quanto dinheiro um cliente deixa no negócio antes de sair;
- Churn: indica a taxa de cancelamento de um serviço;
- MRR: Monthly Recurring Revenue, ou receita mensal recorrente;
- NPS: Net Promoter Score, um cálculo que indica a lealdade dos clientes.
No entanto, ainda que você não domine todas essas siglas, o princípio básico não muda: é fundamental entender como a organização faz dinheiro e como ela gasta dinheiro. Só assim é possível determinar se vale a pena investir ou não.
Outro ponto importante é entender qual tipo de tecnologia está no centro do negócio. Nesse sentido, é possível classificá-los em:
1 – Deeptech ou hardtech
Quando a empresa cria uma nova tecnologia por meio de investimentos em pesquisa e desenvolvimento. A partir daí, ela pode gerar receita por meio de patentes ou vendendo seus produtos e serviços ao mercado. Alguns exemplos de negócios deeptech são:
- hardware: desenvolvem e fabricam circuitos, chips, máquinas, computadores;
- software: criam sistemas eletrônicos para resolver problemas complexos. Hoje em dia, a expressão Software as a Service (SaaS) é muito comum para descrever essa vertente;
- biotecnologia: usam conhecimentos em robótica, análise de dados e outras tecnologias para solucionar questões relacionadas a organismos vivos. Um exemplo é a própria produção de vacinas a partir do DNA dos vírus.
2 – Tecnologias de prateleira
São empresas que agregam tecnologias que já existem no mercado, mas com a finalidade de melhorar um produto ou serviço ou até criar uma nova maneira de usá-los.
A Uber, por exemplo, não criou nem o automóvel, nem o celular e nem o aplicativo de smartphone. Mas ao juntar todas essas tecnologias, criou um modelo de negócio disruptivo que transformou a indústria do transporte de passageiros.
Como identificar uma fake tech?
Em entrevista ao podcast Invista com Tiago, Carlos Pessoa Filho, Diretor de Relações com Investidores da G2D, explica como identificar uma fake tech. O principal sinal é:
Observe o número de funcionários dedicados ao desenvolvimento de tecnologia.
Essa empresa tem mais engenheiros de software ou mais atendentes de telemarketing?
Analisando esse ponto, já é possível descobrir a resposta. No entanto, o fato de uma companhia usar tecnologia para se promover não é necessariamente ruim. O que conta é como ela conduz seu negócio.
Não precisa ser necessariamente uma tech company. Precisa ser uma companhia organizada, ousada e ágil para conseguir ocupar um espaço. A tecnologia ajuda a sustentar esse crescimento no longo prazo. A vantagem competitiva está aí.
(Carlos Pessoa Filho, Diretor de RI da G2D Investments)